Cantiga para
uma cega
Nas águas perdeu o olhar antigo.
Sossegado olhar, feito de migalhas,
transparência presa, água de piscina.
O seu vago olhar, vazio de quimeras,
jamais duvidava. Regrada sextina,
soneto com chave. Por onde ele foi?
Sumiu entre as linhas de um tempo alongado,
descansa nas sombras das louças floridas.
Agora é fantasma de braços cortados
querendo abraçar as dobras de um sino.
Ceifando os restos de um campo segado,
tateando no ar caminhos diários,
assim recomeça.
Nas horas que escorrem, vazias de mito,
com fios de chuva, roseiras, junquilhos,
constrói novo olhar nos olhos precários.
Ana Mariano
Olhos de Cadela
L&PM 2006
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